terça-feira, 5 de junho de 2012

Mais uma história de Preto Velho - Telefone

Em uma madrugada de quarta-feira, em meio à orla marítima, Pai Benedito preparava-se para o último atendimento fraterno daquela noite.


A lua cheia brilhava esplendorosa no céu quando o perispirito de uma senhora de aproximadamente sessenta anos de idade, mas de mente jovial, sentou-se à frente da entidade.


— Como vai suncê zifia?


— Apesar de preocupada eu até que vou bem, mas qual é o nome do senhor?


— Zifia o nome deste nêgo é Benedito, mas nêgo deve pedir licença a suncê pra dizer que o senhor tá no céu.


— Vovô desculpe-me, mas eu só o chamei de senhor para demonstrar respeito.


— Nêgo véio sabe zifia, mas para que fique tudo certo é que nêgo pergunta: eu também posso tratá-la respeitosamente chamando-a de senhora?


— Ah não vovô, se for possível eu gostaria que o senhor me chamasse apenas de Mercedes.


— Então tá tudo certo zifia: nêgo chama suncê de Mercedes e suncê chama nêgo de Benedito.


Respondendo com um sorriso nos lábios Mercedes disse a entidade:


— Está certo vovô!


— Mas conte pra nêgo o que trouxe suncê até ele minha filha!


— Vovô, veja bem, eu conversei com o meu filho e ele disse que na próxima gira do terreiro ele vai estar sentado lá na assistência.


— Que bom zifia! Muito formoso suncê levar mais um zifio pra conhecer uma das casas de caridade onde nóis trabalha em nome da Umbanda.


— Nem me fale vovô, pois eu não vejo a hora de chegar o dia da próxima gira no terreiro!


— Mas por que tanta ansiedade zifia Mercedes? O filho de suncê tá com algum problema?


— Foi bom o senhor ter tocado neste assunto vovô, por que, na realidade, quem está com um problema sou eu!


— Conta pra nêgo véio zifia!!!


— Bem, é que nos últimos meses eu tenho me sentido muito só lá na casa onde eu vivo com meu filho, minha nora e meu netinho.


— Como assim zifia?


— A solidão que eu sinto é mais por parte do meu filho, que quase não tem tempo para estar comigo. O meu esposo faleceu há poucos meses, mas eu o sinto muito mais presente na minha vida do que o meu filho que eu tanto amo!


— Zifia Mercedes, nêgo inté que entende suncê; só o que nêgo não entende é o porquê da sua ansiedade em que o seu filho vá à assistência do terreiro.


— Olha vovô a minha ansiedade é por que eu não vejo a hora de o senhor conversar com o meu filho Ramon sobre toda esta solidão que eu já venho sentindo há um bom tempo. O senhor poderia fazer isto?


— Zifia antes, por caridade, responde uma coisa pra nêgo.


— Sim senhor!


— Zifia se o seu filho Ramon, ao invés de morar junto com suncê, residisse numa terra bem distante como suncê haveria de fazer pra conversar com ele?


— Bem vovô, eu poderia usar o telefone.


— Telefone?


— É vovô! O senhor não conhece?


— Ver nêgo já viu só que nêgo não sabe como funciona; suncê pode explicar pra ele?


— Certamente vovô! O telefone é um aparelho de comunicação onde eu posso fazer contato com outras pessoas, tanto como emissora quanto como receptora de mensagens.


— Nossa zifia Mercedes esse tal de telefone é mesmo um aparelho muito importante, não é?


— É sim vovô!


— Zifia pelo que este nêgo tá entendendo o telefone é um aparelho que encurta a distância aproximando pessoas, é isto?


— Exatamente vovô!


— Zifia, se uma pessoa que suncê gosta muito e sente muito a falta de comunicação com ela morasse do lado da sua casa suncê ia preferir entrar em contato com ela pelo telefone ou pessoalmente?


— Olha vovô eu preferiria pessoalmente.


— Suncê pode contar por quê?


— Perfeitamente. Para mim nada é mais importante do que o contato pessoal com aqueles que são tão caros ao nosso afeto. O telefone é importante, mas não deve substituir o carinho, a troca de energia e afeto que só o contato pessoal sabe proporcionar inigualavelmente.


— Deixa nêgo ver se entendeu: suncê tá dizendo que o telefone serve para encurtar distâncias em relação às pessoas que estão longe de nós, porque para pessoas que estão próximas nada é melhor do que o contato pessoal é isto?


— Exatamente isso vovô!


— Zifia Mercedes, nêgo véio entende que suncê veio até aqui pedir auxílio, mas, por caridade, será que Benedito pode fazer mais uma pergunta pra suncê?


— Puxa vovô, não precisa nem pedir!


— Zifia, como suncê mesma pode ver este nêgo véio não é muito chegado a beleza, mas mesmo assim ele pergunta: será que Nêgo Dito é tão feio, mas tão feio que parece um telefone?


Completamente atônita Mercedes respondeu:


— Como é vovô?


— Nêgo véio parece um telefone zifia?


— Claro que não vovô! O senhor é completamente diferente!


— Completamente diferente?


— Completamente vovô!


— Então porque zifia Mercedes deseja transformar este nêgo véio num telefone de suncê?


— Não entendo vovô!


— Não é suncê que mora na mesma casa com o seu filho Ramon?


— Sim senhor.


— Ele não lhe é muitíssimo caro?


— É sim senhor.


— E se ele mora na sua casa isso não quer dizer que ele lhe é próximo?


— Exatamente!


— Suncê quer que ele saiba que suncê se sente só em relação a ele, não é isto?


— Exatamente!


— Então por que suncê não aproveita esta oportunidade de ouro que é viver ao lado dele e não lhe diz o quanto a ausência dele a está fazendo sentir-se sozinha, triste, com medo de ser abandonada? Quem é nêgo véio pra substituir suncê no coração do seu filho? Se suncê souber quando, como e o que falar as suas palavras terão muito mais valia no coração do filho Ramon, do que qualquer palavra que este nêgo disser a ele, pois aos olhos daquele zifio nêgo véio seria apenas um telefone.


Talvez seja pelo fato do preto-velho falar das coisas que vão ao coração de um jeito tão humilde, talvez seja pelas palavras daquela entidade terem ampliado a consciência de Mercedes, ou talvez seja mesmo pelo fato dela ter carregado aquele sentimento de abandono por tempo demais dentro do seu ser: a realidade é que nenhuma destas teorias é mais importante do que o pranto transmutador que brotou dos olhos de Mercedes, desafogando o peito dela do medo e clareando o seu mental.


Após alguns instantes, e já se sentindo bem melhor, Mercedes disse a entidade:


— Vovô, o senhor me disse que se eu souber quando, como e o que falar com o meu filho o resultado será benéfico para nós dois, mas como é que eu vou saber o que quando e como comunicar-me com o meu filho?


— Simples zifia: é só suncê fazer um telefonema antes de conversar pessoalmente com o filho Ramon!


— Telefonema? Mas o senhor não acabou de dizer que é melhor falar pessoalmente?


— Este telefonema que suncê vai fazer num é pro fio Ramon!


— Não!?!?


— Não! É pra Zambi-Nosso-Pai!


— Telefonar para Deus? Vovô, o senhor está falando sério?


— Claro zifia Mercedes!


— E como é que se telefona pra Deus?


— Um telefone não serve pra comunicação?


— Sim.


— E como comunicar-se com Deus?


— Ah, entendi vovô! Eu devo fazer uma prece a Deus, não é isso?


— Exatamente zifia!


— Só que eu já fiz inúmeras preces a Deus e até agora não consegui encontrar forças para falar da minha dificuldade com o meu filho, por isto é que eu fui trazida até aqui para falar com o senhor!


— Nêgo véio sabe disto zifia: os filhos de fé são os emissores dos pedidos de auxilio divino, Zambi é o receptor destes pedidos, a oração é o telefone e nós, que suncês chamam de entidades, somos os impulsos telefônicos!


— Pois é vovô a sua definição é, mais uma vez, brilhante em tanta simplicidade, mas o que o senhor quer me dizer, na realidade, é que eu devo fazer mais preces antes de conversar com o Ramon?


— Zifia, por caridade, cite pra nêgo pelo menos dois problemas que podem atrapalhar ou impossibilitar a comunicação num telefonema entre duas pessoas aqui na terra.


— Bem, quando o telefone está mudo isto impossibilita a ligação telefônica; já quando esta é estabelecida os chiados podem atrapalhar a comunicação.


— Muito bom zifia! Foi suncê que acabou de ser brilhante!


— Eu?


— É zifia! Suncê mesma acabou de responder por que não conseguiu forças pra conversar com o seu filho apesar de sua reiterantes rogativas a Zambi.


— Eu respondi vovô?


— É zifia! Suncê até hoje não obteve a resposta de Zambi em relação aos “telefonemas” que suncê faz a Ele por conta das interferências no telefone.


— Não entendi vovô!


— Zifia Mercedes suncê mesma respondeu pra nêgo: quando o telefone está mudo a ligação fica impossibilitada.


— Desculpe, mas ainda não entendi vovô!


— Zifia muitas vezes quando suncê pega o telefone da oração pra fazer rogativas a Zambi ele está mudo e daì Zambi não recebe a mensagem de suncê!


— Quando é que isto acontece vovô?


— Quando sunce, por exemplo, faz a prece, mas se julga imerecedora de receber a benção, nêgo véio tá mentindo?


— Não senhor!


— O fato de emitir a oração com algum juízo de valor é o suficiente, por si só, pra torná-la muda, pois só Zambi-Nosso-Pai pode julgar o merecimento ou não de cada um em suas orações.


— Estou entendendo vovô, mas será que o senhor também poderia contar-me a interferência que faz a minha oração ficar com “chiados” aos ouvidos de Deus?


— Perfeitamente zifia! É quando suncê faz preces com outros desequilíbrios nos campos da fé!


— O desequilíbrio nos campos da fé provoca chiados na oração a Deus: é isto?


— Exatamente, pois a oração é por si só, um ato de fé, não é verdade?


— É verdade, agora estou entendendo Pai Benedito!


— No seu caso, como suncê bem sabe, o desequilíbrio nos campos da fé que produz os chiados em suas orações é originário do medo que suncê tem que Deus lhe dote de forças pra conversar com o seu filho e de que você, depois de conversar com ele, seja tratada de forma indesejada pelo Ramon devido à incompreensão dele.


— Não vou negar o senhor tem razão, é verdade!!!


— Pois então minha filha mudar sua postura, seu estado consciencial, continuar a ter fé em Deus sem duvidar de seu próprio merecimento e capacidade são as condições que farão a qualidade dos seus telefonemas ser a melhor possível aos ouvidos de Zambi-Nosso-Pai, suncê entendeu?


— Sim senhor!


— Então vá na força e na luz de Zambi-Nosso-Pai!


— Que assim seja e muito obrigado vovô!


— Nêgo véio é que agradece zifia Mercedes, nêgo veio é que agradece!!!



Mensagem de Pai Benedito recebida por Pedro Rangel.

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